Publicado em: 01/10/2024 às 02:43:58
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Cobrança chega à 25% de imposto sobre previdência privada de brasileiros
Os brasileiros que se aposentaram e escolheram viver em Portugal estão enfrentando uma situação preocupante: a bitributação de suas aposentadorias. Muitos deles complementam sua renda por meio de fundos de pensão ou previdência privada, e a Receita Federal do Brasil tem aplicado uma taxa de 25% sobre esses rendimentos, mesmo quando os beneficiários têm residência fiscal em Portugal. Especialistas apontam que essa taxação deveria ser feita pela Autoridade Tributária portuguesa.
Os fundos de pensão no Brasil podem ser de empresas públicas ou privadas, enquanto os fundos de previdência, como o PGBL e VGLB, são normalmente administrados por bancos e seguradoras. Esses fundos garantem que os trabalhadores tenham uma renda que se aproxime do salário que recebiam quando na ativa.
De acordo com a “Convenção entre a República Federativa do Brasil e a República Portuguesa para evitar a dupla tributação e prevenir a evasão fiscal em matéria de impostos sobre o rendimento”, assinado em 2000 e promulgado em 2001, a tributação deveria ocorrer apenas em Portugal. Porém, a realidade é que brasileiros com residência fiscal em Portugal continuam a pagar imposto de renda no Brasil, além de estarem sujeitos à tributação em Portugal. A própria Receita Federal admite que o problema está no sistema de retenção na fonte dos pagamentos de aposentadorias e pensões, deixando aos contribuintes apenas a opção de recorrer à justiça.
Especialistas, como os advogados Fábio Pimentel e Catarina Zuccaro, destacam que essa situação é injusta e desrespeita o tratado internacional. Pimentel afirma que o Brasil está sujeito a ser julgado na Corte de Haia por descumprir um acordo. Ele menciona ainda que o sistema de tributação no Brasil impede que aposentados recebam suas pensões diretamente em uma conta no exterior, o que poderia simplificar o processo e evitar a bitributação.
Além disso, a advogada Catarina Zuccaro lembra que muitos aposentados brasileiros se mudaram para Portugal atraídos por incentivos fiscais. Com o fim do regime de Residente Não Habitual, e agora enfrentando a bitributação, muitos podem reconsiderar sua permanência em Portugal. Isso seria negativo para ambos os países: para Portugal, que perderia uma fonte importante de renda e investimento; e para o Brasil, que veria sua reputação internacional manchada.
O problema da bitributação começa quando o Brasil aplica a taxa de 25% sobre a previdência privada. Depois, em Portugal, a Autoridade Tributária aplica uma nova taxa, que varia de 13% a 48%, dependendo do valor do benefício. Embora haja um crédito tributário — ou seja, o valor pago no Brasil é descontado do imposto devido em Portugal —, ainda assim existe uma sobreposição de tributos que gera custos significativos para os aposentados.
Para aqueles que se sentem prejudicados, recorrer à justiça no Brasil é a única alternativa, mas esse processo pode ser longo e desgastante. Mesmo quando uma decisão favorável é obtida, a Receita Federal continua a reter o imposto. O deputado federal Pedro Paulo, relator da reforma tributária, reconhece que o caso precisa ser analisado e promete sensibilidade do Parlamento para com os brasileiros afetados.
A postura da Receita Federal pode inibir que outros aposentados brasileiros considerem se mudar para Portugal, afetando o fluxo de investimentos no país europeu. Nos primeiros quatro meses deste ano, os brasileiros investiram cerca de 97 milhões de euros em Portugal, representando 2,5% do balanço de pagamentos do país no período.
A Autoridade Tributária de Portugal afirma que trata cidadãos brasileiros da mesma forma que qualquer outro cidadão estrangeiro, sem práticas específicas para este grupo, e que é responsabilidade dos aposentados informar a mudança de domicílio fiscal.
A questão de a Receita Federal estar cometendo uma irregularidade ao desrespeitar o tratado internacional é complexa e envolve uma análise profunda das legislações de ambos os países. Tratados internacionais não são aplicáveis diretamente; precisam ser incorporados às legislações internas, como ocorreu com o Decreto nº 4012, de 2001, que regula o tratado de não bitributação entre Brasil e Portugal.
Mesmo que o tratado tenha sido oficialmente promulgado, aposentados continuam enfrentando a bitributação, com potencial para gerar conflitos na esfera internacional. O Brasil pode ter sua reputação prejudicada e enfrentar retaliações de Portugal caso o problema não seja solucionado.
Caso não haja uma resolução bilateral, a disputa pode acabar sendo levada para uma Câmara de Arbitragem ou para a Corte Internacional de Justiça. Essa é uma possibilidade que, segundo especialistas, deve ser considerada caso o Brasil continue a desrespeitar os termos do acordo com Portugal.
Conclusão: O Futuro dos Aposentados Brasileiros em Portugal
A bitributação de aposentadorias dos brasileiros residentes em Portugal é um tema complexo e que afeta diretamente a vida de milhares de pessoas. Com uma legislação dúbia e uma postura intransigente da Receita Federal, a situação tem potencial para afetar não apenas o orçamento dos aposentados, mas também as relações econômicas e diplomáticas entre Brasil e Portugal.
A batalha jurídica continua, e o futuro permanece incerto para quem confiou nos benefícios de um tratado de não bitributação que, na prática, não está sendo respeitado.
Fonte: publico.pt
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