Cobrança chega à 25% de imposto sobre previdência privada de brasileiros
Os brasileiros que se aposentaram e escolheram viver em Portugal estão enfrentando uma situação preocupante: a bitributação de suas aposentadorias. Muitos deles complementam sua renda por meio de fundos de pensão ou previdência privada, e a Receita Federal do Brasil tem aplicado uma taxa de 25% sobre esses rendimentos, mesmo quando os beneficiários têm residência fiscal em Portugal. Especialistas apontam que essa taxação deveria ser feita pela Autoridade Tributária portuguesa.

Entendendo os Fundos de Pensão e Previdência
Os fundos de pensão no Brasil podem ser de empresas públicas ou privadas, enquanto os fundos de previdência, como o PGBL e VGLB, são normalmente administrados por bancos e seguradoras. Esses fundos garantem que os trabalhadores tenham uma renda que se aproxime do salário que recebiam quando na ativa.
A Convenção de Não Bitributação
De acordo com a “Convenção entre a República Federativa do Brasil e a República Portuguesa para evitar a dupla tributação e prevenir a evasão fiscal em matéria de impostos sobre o rendimento”, assinado em 2000 e promulgado em 2001, a tributação deveria ocorrer apenas em Portugal. Porém, a realidade é que brasileiros com residência fiscal em Portugal continuam a pagar imposto de renda no Brasil, além de estarem sujeitos à tributação em Portugal. A própria Receita Federal admite que o problema está no sistema de retenção na fonte dos pagamentos de aposentadorias e pensões, deixando aos contribuintes apenas a opção de recorrer à justiça.
Problemas e Possíveis Consequências
Especialistas, como os advogados Fábio Pimentel e Catarina Zuccaro, destacam que essa situação é injusta e desrespeita o tratado internacional. Pimentel afirma que o Brasil está sujeito a ser julgado na Corte de Haia por descumprir um acordo. Ele menciona ainda que o sistema de tributação no Brasil impede que aposentados recebam suas pensões diretamente em uma conta no exterior, o que poderia simplificar o processo e evitar a bitributação.
Além disso, a advogada Catarina Zuccaro lembra que muitos aposentados brasileiros se mudaram para Portugal atraídos por incentivos fiscais. Com o fim do regime de Residente Não Habitual, e agora enfrentando a bitributação, muitos podem reconsiderar sua permanência em Portugal. Isso seria negativo para ambos os países: para Portugal, que perderia uma fonte importante de renda e investimento; e para o Brasil, que veria sua reputação internacional manchada.
Como Funciona a Tributação
O problema da bitributação começa quando o Brasil aplica a taxa de 25% sobre a previdência privada. Depois, em Portugal, a Autoridade Tributária aplica uma nova taxa, que varia de 13% a 48%, dependendo do valor do benefício. Embora haja um crédito tributário — ou seja, o valor pago no Brasil é descontado do imposto devido em Portugal —, ainda assim existe uma sobreposição de tributos que gera custos significativos para os aposentados.
A Luta na Justiça
Para aqueles que se sentem prejudicados, recorrer à justiça no Brasil é a única alternativa, mas esse processo pode ser longo e desgastante. Mesmo quando uma decisão favorável é obtida, a Receita Federal continua a reter o imposto. O deputado federal Pedro Paulo, relator da reforma tributária, reconhece que o caso precisa ser analisado e promete sensibilidade do Parlamento para com os brasileiros afetados.
O Impacto Econômico
A postura da Receita Federal pode inibir que outros aposentados brasileiros considerem se mudar para Portugal, afetando o fluxo de investimentos no país europeu. Nos primeiros quatro meses deste ano, os brasileiros investiram cerca de 97 milhões de euros em Portugal, representando 2,5% do balanço de pagamentos do país no período.
A Autoridade Tributária de Portugal afirma que trata cidadãos brasileiros da mesma forma que qualquer outro cidadão estrangeiro, sem práticas específicas para este grupo, e que é responsabilidade dos aposentados informar a mudança de domicílio fiscal.
Afinal, É Legal ou Não?
A questão de a Receita Federal estar cometendo uma irregularidade ao desrespeitar o tratado internacional é complexa e envolve uma análise profunda das legislações de ambos os países. Tratados internacionais não são aplicáveis diretamente; precisam ser incorporados às legislações internas, como ocorreu com o Decreto nº 4012, de 2001, que regula o tratado de não bitributação entre Brasil e Portugal.
Mesmo que o tratado tenha sido oficialmente promulgado, aposentados continuam enfrentando a bitributação, com potencial para gerar conflitos na esfera internacional. O Brasil pode ter sua reputação prejudicada e enfrentar retaliações de Portugal caso o problema não seja solucionado.
O Caminho da Justiça Internacional
Caso não haja uma resolução bilateral, a disputa pode acabar sendo levada para uma Câmara de Arbitragem ou para a Corte Internacional de Justiça. Essa é uma possibilidade que, segundo especialistas, deve ser considerada caso o Brasil continue a desrespeitar os termos do acordo com Portugal.
Conclusão: O Futuro dos Aposentados Brasileiros em Portugal
A bitributação de aposentadorias dos brasileiros residentes em Portugal é um tema complexo e que afeta diretamente a vida de milhares de pessoas. Com uma legislação dúbia e uma postura intransigente da Receita Federal, a situação tem potencial para afetar não apenas o orçamento dos aposentados, mas também as relações econômicas e diplomáticas entre Brasil e Portugal.
A batalha jurídica continua, e o futuro permanece incerto para quem confiou nos benefícios de um tratado de não bitributação que, na prática, não está sendo respeitado.
Fonte: publico.pt